domingo, julho 16, 2006

Aplausos (ovação inspirada)

Oiçam...
...
O som incessante...
...
A vaga bruta e desorganizada...
...
Oiçam-nos... os aplausos.
Este som tão primordial... uma das marcas mais antigas de quase todas as civilizações humanas (digo "quase" porque não terei a presunção de dizer que as conheço a todas). Desde que o homem teve razão para louvar, aplaudiu.
É tão simples! Duas mãos; um contra a outra repetidamente... e cria-se a moeda corrente mais utilizada no mundo dos elogios.
E no entanto, por trás dessa simplicidade esconde-se um siginificado quase poético (tal como em todas as facetas humanas). Uma das ocasiões em que se costuma ouvir mais aplausos é num espectáculo... lembro-me como foi aplaudido Yo-Yo Ma quando tocou em Portugal... lembro-me como eu aplaudi até as minhas mãos ficarem vermelhas. Era como se as mãos tivessem vontade própria... como se elas ficassem vermelhas de vergonha perante a grandiosidade das mãos que há poucos segundos tinham tocado a sexta suite de Bach.
Que são os aplausos senão mãos a aplaudir mãos?
Que são o aplausos senão o reconhecimento da nossa insignificância perante o que nos supera mesmo que seja só num momento?
As mãos são sem dúvida a maior ferramenta do homem... as nossas civilizações têm a distinta marca da mão humana, como uma impressão digital: única e inconfundível. Usámos as mão para criar, destruir, matar, acariciar, amar, odiar, superar... também as usamos para elogiar. Também as usamos como gesto de humildade.
Nós, portugueses, somos conhecidos pelos artistas do resto do mundo como o povo mais generoso em termos de aplausos. Bom, mau, medíocre... após qualquer espectáculo nem precisamos de esperar um minuto para que o público inteiro esteja de pé a louvar o artista como um semi-deus.
Será falta de gosto?
Eu gosto de pensar de outra maneira. Gosto de acreditar que é uma prova do quão conscientes da nossa condição estamos. Aprecio a ideia que os Portugueses perante a grandeza de certos indivíduos ou talvez perante a sua própria insignificância se sintam compelidos a aplaudir... fazer uma vénia é mais complicado e infinitamente mais humilhante.
Talvez precisemos de ser mais aplaudidos... ou alguns precisem de aplaudir mais vezes. Talvez precisemos de entender melhor a importância dos nossos aplausos... uma ovação hipócrita é tão insultuosa como uma ovação sentida o é enaltecedora.
Talvez um dia possamos escutar por todo o mundo esse som tão belo e simples...
Talvez as multidões um dia aprendam a aplaudir-se a si e aos outros sem diferenças...
Talvez...
Ah... mas volto a ouvi-los..
Incessantes...
Os aplausos...
Oiçam-nos...
...
..
.

sábado, julho 08, 2006

Livros (avec une grace calligraphiée)




Em livros me perco.
E com tantos livros me ocupo a ler... que me esqueço de escrever.

Por isso, como um filho pródigo, regressa este bloguista algo preguiçoso ao seu blog que parece andar mais lento que "la plus que lente" (que, diga-se de passagem, até para Adagio é um exagero).
Falemos então de livros, esses objectos, exóticos para alguns, que acompanham a nossa civilização desde que esta desejou ser imortal.
Não falarei do que está escrito... deixarei isso para outra altura ou outro post. Gostava, hoje, de falar apenas sobre os livros, o objecto, o papel, a sua importância... pelo menos aquela que eu penso que têm.
Sempre me transmitiram uma estranha sensação de eternidade, os livros. Apesar de, segundo me disseram, a esperança média de vida do papel de um livro ser pouco mais que 100 anos, sempre vi os livros como pensamentos capturados no papel para não mais se perderem; pequenas pedaços de uma alma convertidos em eternidade.
Casa ou prisão das palavras, os livros sempre ocuparam uma pequena totalidade da minha vida e da minha mente. Quer sejam frívolos romances, pesados ensaios, grossos manuais, bucólicos poemas... livros são e por isso permanecem, eles e as suas palavras.
E também devo aqui confessar que, para mim, os livros são também uma forma de puro narcisismo intelectual. Nos livros o ser humano projecta as suas palavras para além da sua voz... sempre serão mais os leitores do que os ouvintes. Nos livros, o homem permanece mesmo que o seu corpo se dissipe na triste alquimia da vida e da morte... a palavras sempre tiveram uma maior capacidade de preservação do que a carne. E também nos livros, o homem pode esconder os seus mais preciosos sonhos e ideias da corrente do esquecimento a que nós todos estamos condenados.
Como pequenas pedras que vão ao fundo e não se deixam levar pela fluidez das águas do tempo... os livros são coisas deveras extraordinárias. Por isso os amo e por isso não posso evitar uma certa poesia (algo exagerada, devo admitir) quando me refiro a eles.
Outra coisa que me espanta nos livros é a sua capacidade de reprodução: quando se escreve um livro, este se converte numa criatura dotada de um tipo especial de vida e , logo, de um tipo especial de instinto de sobrevivência. Muitos são os livros que depois de serem lidos resultam em mais livros (o que leva à questão milenar: Ecritor ou leitor... o que veio primeiro?). Outros, não querendo permanecer limitados pelo vernáculo se traduzem e se espalham pelos quatro cantos (e tantas línguas) do mundo. Alguns até chegam a ser escritos mais do que uma vez de forma a conservar as palavras... reeditam-se, logo, permanecem (se um livro vive 100 anos quantos anos vivem 10 ou 20 livros?).
E no entanto... é tão fácil queimar papel. Reduzir a glória de uma Ilíada a cinzas demora muito menos tempo do que levou a que fosse escrita. Com tanta facilidade se rasga um livro... com tanta facilidade se rasga um pequeno pedaço de história ou de alma. Custa por vezes pensar quanto se perdeu com cada livro que se extingue.
É neste estranho paradoxo de um livro que move mentes mas que se reduz a um simples combustível que se encontra, para mim, uma das mais belas facetas de um livro: a sua humanidade. Tão frágil e extraordinário... um livro é em grande parte como o seu escritor que por muito valor que tenha se reduz à sua condição... facilmente perecível. Afinal de contas, o homem fez o livro, não necessariamente à sua imagem mas, pelo menos, à sua letra.
Ah! Mas já me perco!
Deixo-me de escritas por agora. Regresso ao sadio (e, por vezes, nem tanto) hábito de leitura pois, se continuasse a escrever... que livro isto daria.